Juarez Paraíso
O homem e sua arte contestadora
Um homem que nasceu para contestar o sistema e o mundo ao seu redor. Com sua arte, Juarez Marialva Tito Paraíso se destacou questionando a forma como estamos posicionados, sem medo de fazê-lo. Imortal da Academia de Letras da Bahia (ALB), o riocontense nascido no distrito de Arapiranga, em meados da década de 1930, fez de suas obras um grito de coragem, uma forma de se mostrar e apresentar a sua verdade, suas concepções e o que achava sobre as produções artísticas e a realidade. O terceiro filho de um homem negro e de uma mulher branca é o retrato de um país miscigenado, criativo. Ele encontrou nas artes plásticas um potencial a ser desenvolvido. O descendente de seu Isaltino Conceição Paraíso e Eulália Martins Alves Paraíso nasceu para romper padrões com a própria arte.
O mundo que Juarez abraçou se caracteriza por ser abstrato, de formas diversas, que nem os barros modelados por ele na infância, ainda no tempo das Minas do Rio de Contas. As suas linhas da vida, únicas e intrigantes, já estavam traçadas pelos desenhos simples e infantis, feitos a lápis de cor. Durante a sua adolescência, se viu fascinado pelas personagens das histórias em quadrinhos, sobretudo as criações voltadas para os universos da aventura e ficção científica dos desenhistas Alex Raymond, Harold Foster, Will Eisner e Burne Hogarth. Era comum preencher álbuns com cenas retiradas das publicações e, mais uma vez, as linhas da vida lhe conduziam e inspiravam em contornos que veríamos mais tarde.
Um dos álbuns foi apresentado por seu pai, Isaltino, ao professor da Escola de Belas Artes (EBA), Raymundo Aguiar, que recomendara a matrícula do jovem no Curso Anexo do Instituto Baiano de Artes Plásticas, onde se oferecia orientações livres e instruções preliminares de desenho artístico, desenho geométrico e de modelagem. Mas as portas da academia só foram se abrir, de fato, aos 17 anos, com a aprovação no vestibular da Universidade Federal da Bahia, onde concluiu, com êxito, os cursos de pintura, gravura e escultura.
O seu caminho efetivo na arte começou na década de 1950, quando se destacou no 2º Salão Universitário Baiano de Belas Artes, com duas premiações. Sem dúvida, esta foi a porta de entrada para um mundo no qual Juarez sabia que estaria a qualquer momento. A partir daí, não parou mais. Anos mais tarde, já no início da década de 1960, teve sua primeira exposição individual, na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, em Salvador.Neste momento, já era possível notar um artista maduro e consciente da contribuição de seu talento para trazer uma produção artística transformadora, em um mundo que já dava sinais claros de movimentação e turbulência.
Juarez fez parte da segunda geração de artistas modernos da Bahia, ao lado de Calasans Neto, Sante Scaldaferri e outros notáveis que se destacaram por revolucionar a linguagem artística e pelo uso das composições abstratas em suas obras e peças, acompanhando a dinâmica das mudanças que ocorriam na capital da Bahia, no Brasil e no mundo. Engajados e conscientes da realidade, eles enfrentaram um período de muita turbulência com traços peculiares da cultura local e nacional. A utilização de técnicas como gravura e desenhos, antes vistas como uma expressão artística menor, foi essencial para lidar com um mundo tumultuado, com manifestações contra as guerras, enfrentamento entre o novo e velho, questionamentos sobre costumes e outras tantas pautas de uma realidade que oferecia uma proposta mais engajada.
O nosso artista foi responsável por montar, na Escola de Belas Artes, em 1966, oficinas de gravura ministradas por Mario Cravo, Hansen e Henrique Oswald, além de, posteriormente, organizar mais duas bienais baianas. Essa é a prova de que os álbuns com os recortes dos quadrinhos que colecionava na juventude, dariam frutos e visibilidade para outros artistas nordestinos. Em 1968, por se recusar a tirar uma obra de uma bienal, foi preso pela Ditadura Militar. Segundo ele, o momento em que saiu de Rio de Contas, aos oito anos de idade, lhe preparou para atravessar aquele período no qual esteve um mês detido. Em suas próprias palavras: “fiquei preso um mês, que valeu por 100 anos”.
Espalhadas por diversos cantos do mundo, expostas em galerias e em locais públicos, suas obras trazem muitos questionamentos estéticos, por suas características abstratas que remetem a espaços de reflexão. Juarez pode ser visto nas esquinas, nos hospitais. Ele pode ser visitado nos parques e até mesmo nos cinemas. São peças que extrapolam as fronteiras de onde a arte pode ser vista, questionando a limitação desses espaços. Sua arte era grande demais para ficar restrita às galerias, locais onde ela pode ser acessível apenas para aqueles que conseguem decifrá-la. Essas obras ganharam destaque nas paredes dos cines Arte e Tupy, no pátio do Museu Geológico da Bahia, entre outros lugares que acolheram este gênio.
Dos tocos de lápis de cor na infância, para os instrumentos mais avançados, Juarez ganhou o mundo deixando seus traços e conquistando olhares perplexos diante de uma estética única. Devido à sua trajetória e as obras que assinou, o ocupante da cadeira 39 na Academia de Letras da Bahia (ALB) é o homenageado da 1ª edição do Festival Literário e Artístico de Rio de Contas. Aos 91 anos, o professor emérito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) recebe este reconhecimento na terra que revelou um grande artista, que contribuiu, de forma significativa, para que a arte rompa barreiras.